Falta de mão de obra no Japão abre espaço para brasileiros

Atualizado em  22 de julho, 2014 - 08:10 (Brasília) 11:10 GMT
Ewerthon Tobace
Alex Kaneko trabalha como pesquisador em robótica no centro de pesquisas da Hitachi
Depois de uma ampla reforma na economia que tirou o Japão de duas décadas de deflação e de uma recessão profunda, agora o foco do governo de Shinzo Abe é ajudar as empresas a garantir mão de obra para poder crescer.
A escassez de trabalhadores é, segundo economistas, um dos grandes problemas que o Japão enfrenta hoje e que impede a rápida recuperação da terceira maior economia do mundo.

"A demanda é grande, por isso muitas empresas chegam a pagar até 40 mil dólares a uma empresa de recrutamento caso ela encontre um bom profissional", afirma Utiyama, que cuida de contas de empresas na área de tecnologia da informação (TI)."O Japão é um dos países onde é mais difícil encontrar profissionais bilíngues. Para cada dez vagas existem apenas três profissionais, em média", conta o brasileiro Diego Utiyama, 27, que trabalha para uma empresa de recrutamento na capital japonesa.
Os estrangeiros têm aproveitado esta lacuna no mercado de trabalho japonês para conseguir empregos estáveis e muito bem remunerados. O próprio Diego é um dos que deixou um trabalho não-qualificado em fábricas para ingressar no mercado especializado.
"Infelizmente, a maioria dos brasileiros que está no Japão tem grande potencial mas não sai da zona de conforto e não almeja um trabalho qualificado. Por isso, não aprende o idioma e não faz cursos de qualificação", lamenta.

Arquivo Pessoal
Diego Utiyama diz que a falta de profissionais qualificados é muito grande no Japão

Barreira do idioma

Cerca de 180 mil brasileiros vivem hoje no Japão, grande parte trabalhando em linhas de montagem. Em 2007, antes da crise econômica, este número chegou a quase 320 mil. A grande maioria voltou ao Brasil nos anos 2008/2009 e após o terremoto de março de 2011.
Rogerio Taques, 34, voltou ao Brasil depois de um período de três anos trabalhando em fábrica logo após a crise econômica. "Da primeira vez, o objetivo era juntar o máximo de dinheiro, por isso não fazia questão de aprender o idioma japonês", conta.
Mas em julho de 2011, ele e a esposa resolveram voltar ao Japão, desta vez como imigrantes. "Sou formado em engenharia de sistemas e vim com a ideia de tentar uma vaga na minha área de formação, mesmo sem falar fluentemente o idioma."
O caminho foi muito difícil, mas em novembro de 2012 ele conseguiu uma vaga como programador web. Taques mostrou suas qualidades e, depois de colher sucessos implantando diversos programas no sistema de trabalho, foi promovido e ocupa hoje o cargo de diretor de TI do grupo todo, que engloba ao todo três empresas.
"Quando procurava por um emprego fiz diversas entrevistas em dezenas de empresas, mas o fato de não falar fluentemente o japonês virou uma grande barreira”, admite. "Mas nunca desisti e me esforcei bastante", completa.
O consultor sênior de sistemas industriais Eric Evangelista Ohtake, 31, de São Paulo, conhece muito bem este problema. Ele é altamente qualificado e fluente em alemão, espanhol e inglês, além do português. Mas não fala japonês.
"Concorri a três vagas em empresas japonesas. Foram muito educados, receberam meu currículo, falamos por telefone, porém o fim da linha era sempre a falta do idioma local", lamenta.
Arquivo Pessoal
Rogerio Taques deixou o trabalho não qualificado de fábrica e hoje é diretor de TI de um grupo japonês

Cultura local

Eric sonha desde criança em morar no Japão, país natal também da esposa. "Fui duas vezes, uma para conhecer os sogros e outra para apresentar a nossa filha aos avós. Fiquei encantado com o país", diz.
O brasileiro se esforça no aprendizado do japonês e continua tentando encontrar uma vaga. "Entretanto, tenho consciência de que terei que me preparar muito mais no idioma, pois mesmo que as oportunidades existam, não serei o candidato adequado."
Por isto, ele já cogitou a ideia de ir ao país para trabalhar em fábricas, em posições que não exigem qualificação. "Entendo que estando no Japão, o idioma se desenvolveria mais rapidamente se eu me esforçar bastante."
Alex Masuo Kaneko, 29, concorda que o conhecimento do idioma japonês é imprescindível para quem pensa em concorrer a uma vaga de trabalho no Japão.
"O problema é que muitos estrangeiros não têm interesse em se aprofundar na cultura local, o que é crucial para entender como funciona uma empresa japonesa", sugere o Alex - que, depois de fazer o mestrado e o doutorado no Japão, conseguiu uma vaga, em abril passado, no departamento de pesquisas em robótica da Hitachi.
"A área de robótica é uma das que tem uma grande demanda por profissionais", conta o brasileiro. Mas ele diz não concordar que faltam tantos profissionais no mercado japonês: é a disputa que é acirrada, acredita. "O que faltam é mais candidatos qualificados", afirma.

Setores em crise

O rápido envelhecimento da população e a baixa taxa de natalidade são pontos-chave em discussão hoje no Japão, que busca soluções para manter o ritmo de crescimento do país.
Entre as principais críticas ao governo estão a falta de uma política migratória e leis trabalhistas mais flexíveis.
Enquanto a solução não aparece, a falta de trabalhadores, qualificados ou não, tem obrigado muitas empresas a repensar os planos de expansão.
Alguns setores já falam até em crise, pois não vêm outra saída além da restrição nas operações e do aumento de salários.
Companhias aéreas, empresas varejistas e rede de restaurantes são algumas das áreas que sofrem com a escassez de trabalhadores. Em alguns casos extremos, as empresas são obrigadas a fechar lojas por não conseguir preencher as vagas.
Um relatório do governo japonês sobre a área de aviação divulgado recentemente mostrou que algumas companhias aéreas de baixo custo, como Jetstar Japan e Vanilla Air, foram obrigadas a cancelar centenas de voos neste verão.
Pela mesma razão, a Peach Aviation, uma joint venture da All Nippon Airwais (ANA), uma das maiores empresas aéreas japonesas, disse no mês passado que avalia o cancelamento de mais de 2 mil voos este ano - um corte de 16% no total planejado para 2014.
"Não há pilotos suficientes e, para treiná-los, gasta-se tempo e dinheiro", justificou o porta-voz da companhia, Hironori Sakagami.

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